sábado, dezembro 29, 2007

NÃO GOSTO DO PAI NATAL


Não gosto do Pai Natal
Não gosto do Pai Natal
porque a mim já não me ilude:
todas as prendas que traz
dão-me cabo da saúde.

Traz no saco, que carrega,
cada vez mais sofrimento
e deixa-me logo «à pega»
baixando-me o vencimento.

Com discursatas perversas,
mil ilusões repartidas
enche o saco de promessas
que nunca serão cumpridas.

Eu não quero dizer mal
mas temos gostos opostos:
peço prendas plo Natal
e ele dá-me mais impostos.

E mal entra o Ano Novo
logo me cheira e pressinto
que eu, que pertenço ao Povo,
vou ter de apertar o cinto.

Sobe a água, sobe a luz,
e os aumentos são bem fortes
e, para aumentar a cruz
sobem também os transportes.

É pior de cada vez
que olho esse velho gaiteiro:
Já sei que vai sobrar mês
quando acabar o dinheiro.

No País em que vivemos
(somos quase 10 milhões)
Ali-Babás... poucos temos,
mas temos muitos ladrões.

Por isso é que não me ilude
este velhote atrevido:
Pai Natal é Robin Hood,
mas Robin Hood ... invertido.


FERNANDO PEIXOTO

segunda-feira, dezembro 17, 2007

POESIA


Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nosssa casa. Como a mesa.
Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça, é tudo tão verdade!





(J. Almada Negreiros, in "Mãe")

sexta-feira, dezembro 14, 2007

SAUDADE

Saudade é solidão acompanhada
é quando o amor ainda não foi embora,
mas a amada já...
Saudade é amar um passado
que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe
o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudade,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.



(Pablo Neruda)

segunda-feira, dezembro 10, 2007

TROCANDO OLHARES


Se as tuas mãos divinas folhearem
As páginas de luto uma por uma
Deste meu livro humilde; se poisarem
Esses teus claros olhos como espuma

Nos meus versos d’amor, se docemente
Tua boca os beijar, lendo-os, um dia;
Se o teu sorrir pairar suavemente
Nessas palavras minhas d’agonia,

Repara e vê! Sob essas mãos benditas,
Sob esses olhos teus, sob essa boca,
Hão de pairar carícias infinitas!

Eu atirei minh’alma como um rito
Às trevas desse livro, assim, ó louca!
A noite atira sóis ao infinito!..




Florbela Espanca - Trocando olhares

sábado, dezembro 08, 2007

SAUDADE


"Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.


Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam- se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.


Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada;
se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial;
se ela aprendeu a estacionar entre dois carros;
se ele continua preferindo Malzebier;
se ela continua preferindo suco;
se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;s
e ele continua cantando tão bem;
se ela continua detestando o MC Donald's;
se ele continua amando;
se ela continua a chorar até nas comédias.


Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler..."


Miguel Falabella


Fabuloso! Dedico a todos os meus amigos de quem tenho saudade.

SIMONE DE OLIVEIRA





Vi Simone de Oliveira agora, no programa RTP Memória. Sempre tive por ela grande admiração. Aqui fica a DESFOLHADA para recordar!
(desligue a música do blogue)

terça-feira, dezembro 04, 2007

PARA ALÉM DO TEMPO


Esse amor sem fim, onde andará?
Que eu busco tanto e nunca está
E não me sai do pensamento
Sempre, sempre longe!

Esse amor tão lindo que se esconde?
Nos confins do não sei onde.
Vive em mim além do tempo.
Longe, longe, onde?

Por que não me surges nessa hora?
Como um sol?
Como o sol no mar,
Quando vem a aurora.

Esse amor que o amor me prometeu,
E que até hoje não me deu!
Por que não está ao lado meu?

Esse amor sem fim, onde andará?
Esse amor, meu amor,
Onde andará?

(Vinicius de Moraes)









domingo, dezembro 02, 2007

NÃO CONSTA NOS DICIONÁRIOS




ABANDONO
Quando a jangada parte e você fica.


ADEUS
O tipo de tchau mais triste que existe.


ADOLESCENTE
Toda criatura que tem fogos de artifício dentro dela.


ARTISTA
Espécie de gente que nunca deixará de ser criança.


AUSÊNCIA
Uma falta que fica ali, sempre presente.


FOTOGRAFIA
Um pedaço de papel que guarda um pedaço de vida nele.


FILHO
Um serzinho adorável e todo seu, que um dia cresce e passa a ser todo dele.


GELO
Aquilo que a gente sente na espinha quando o amor diz que vai embora.


LEALDADE
Qualidade de cachorro que pouquíssimas pessoas têm.


LÁGRIMA
Sumo que sai dos olhos quando se espreme o coração.


OUSADIA
Quando o Coração diz para a
Coragem:
Vá!
E a Coragem vai mesmo.



Email recebido dum amigo

quinta-feira, novembro 29, 2007

TEU RISO

Leonardo da Vinci


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar,
mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu risos
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul,
a rosada minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.



Pablo Neruda

quarta-feira, novembro 21, 2007

MARIA DA CONCEIÇÃO

Maria da Conceição
Vi-te ontem na procissão
E duvidei do que via...
Pois quando por ti passei
Olhei em volta e reparei
que toda a gente se ria... de ti!
Sim de ti cachopa.
Seja embora a tua boca
Vermelha como a romã
Embora a face trigueira
Tenha um rosado à maneira
De saborosa maçã
Embora o corpo delgado
Lembre um lírio delicado
E tenhas um lindo olhar
Eu juro que foi de ti
Que todos riram e eu ri
Quando te vimos passar.
Maria da conceição
Ou tu perdeste a razão
Ou então foi bruxaria.
Um chapéu nessa cabeça
Mas tu queres que eu endoideça
Oh minha pobre Maria da Conceição
Mas que horror!...E dize cá por favor.
Quem te vestiu esse fato
Que o corpo te escangalhou
E as ancas te deformou
Dando-te um vago ar de pato marreco?
Ai não Maria
Decerto ninguém diria
Vendo-te na procissão
Que tu és certa pequena
De linda cara morena
Maria da Conceião
Teu corpo só bem se ajeita
À longa saia bem feita
Que às formas te dá esbelteza
E na cabeça formosa
Em vez dum chapéu com rosa
põe chita bem portuguesa
Desce dos saltos donzela
E calça a tua chinela
Que tanto te alinda o pé
A gente deve na vida
Não andar nunca iludida
E ser apenas quem é
Maria da Conceição
Sai-me já da procissão
Pois até nosso senhor
Se te vê dessa maneira
Sendo embora de madeira
Pode fugir do andor
Calça a chinelinha,calça
Põe o lenço de Alcobaça
E a saia de flanela
Teu lindo chaile de tricana
Que tu és ribatejana
Que tu Maria és aquela
Nascida nesta paisagem
Criada com esta aragem
Que torna a mulher formosa
E em paisagem bravia
Nunca pode ir bem Maria
Esse chapéu, essa rosa
Volta depois sem vaidade
Eu amo a simplicidade
Gosto de ti sem mentira
Sem poses sem presunção
Maria da Conceição
De Vila Franca de Xira.


Alice Ogando

segunda-feira, novembro 19, 2007

O ÚNICO DEFEITO DAS MULHERES...


Quando Deus fez a mulher, já estava a trabalhar há seis dias consecutivos.

Apareceu um anjo que lhe perguntou: "Deus, porque estás a perder tanto tempo com esta criação?"

Ao que Deus respondeu: "Já viste a minha lista de especificações para este projecto? Ela tem que ser completamente lavável, mas sem ser de plástico, tem mais de 200 partes móveis, todas substituíveis, e é capaz de sobreviver à base de coca-cola light e restos de comida, tem um colo capaz de segurar em quatro crianças ao mesmo tempo, tem um beijo capaz de curar qualquer coisa desde um arranhão no joelho a um coração ferido e faz isto tudo apenas com duas mãos."

O anjo ficou estupefacto com estas especificações. "Só duas mãos!?
Impossível! E esse é apenas o modelo normal? É muito trabalho só para um dia. É melhor acabares só amanhã."

"Nem pensar", protestou Deus. "Estou quase a acabar esta criação que me é tão querida. Ela já é capaz de se curar a si própria quando fica doente. E consegue trabalhar 18 horas por dia."

O anjo aproximou-se e tocou na mulher. "Mas fizeste-a tão macia e delicada, meu Deus".

"Sim, mas também pode ser muito resistente. Nem fazes ideia o que ela pode fazer e aguentar."

"E ela vai ser capaz de pensar?" perguntou o anjo. "Não só é capaz de pensar como é capaz de negociar e convencer"

O anjo então reparou num pormenor e tocou na cara da mulher.

"Ups, parece que tens uma fuga neste modelo. Eu disse-te que estavas a tentar fazer demais numa criatura só."

"Isso não é uma fuga, é uma lágrima." "E para que é que isso serve?" perguntou o anjo. "A lágrima é o seu modo de exprimir alegria, pena, dor, desilusão, amor, solidão, luto e orgulho."

O anjo estava impressionado."És um génio, Deus. Pensaste em tudo."

E de facto as mulheres são verdadeiramente espantosas. Têm capacidades que surpreendem os homens. Carregam fardos e dificuldades, mas mantendo um clima de felicidade, amor e alegria. Sorriem quando querem gritar.
Cantam quando querem chorar. Choram quando estão felizes e riem quando estão nervosas.
Lutam por aquilo em que acreditam e não aguentam injustiças. Não aceitam um "não" quando acreditam que existe uma solução melhor.

Prescindem de tudo para dar à família. Vão com um amigo assustado ao médico. Amam incondicionalmente. Choram quando os seus filhos são os melhores e aplaudem quando um amigo ganha um prémio. Ficam radiantes quando nasce um bébé ou quando alguém se casa. Ficam devastadas com a morte de alguém querido, mas mantêm a força além de todos os limites.

Sabem que um abraço e um beijo podem curar qualquer desgosto. Existem mulheres de todos os formatos, tamanhos e cores. Elas conduzem, voam, andam e correm ou mandam e-mails só para mostrar que se preocupam contigo. O coração de uma mulher mantem este mundo a andar. Elas trazem alegria, esperança e amor. Dão apoio moral à sua família e amigos.

As mulheres tem coisas vitais a dizer e tudo para dar.



NO ENTANTO, SE EXISTE UM DEFEITO NAS MULHERES É QUE ELAS SE ESQUECEM CONSTANTEMENTE DO SEU VALOR.


(Anónimo)

domingo, novembro 04, 2007

ESCADA SEM CORRIMÃO


É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do sol
Mas nunca passa do chão.

Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
Servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.

Sobe-se numa corrida,
Corre-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.


David Mourão Ferreira

quarta-feira, outubro 24, 2007

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM




Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas, inesperadas

Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído,

No papel abandonado)

Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.





Alexandre O'Neill

terça-feira, outubro 23, 2007

FADO PORTUGUÊS

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.
Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.
Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.



José Régio

sexta-feira, outubro 19, 2007

EM TODAS AS RUAS TE ENCONTRO

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados
que eu ando a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento num corpo
que já não é seu num rio
que desapareceu onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco .




Mário Cesariny "(1923-2006)

quarta-feira, outubro 17, 2007

HOJE DEITEI-ME AO LADO DA MINHA SOLIDÃO





Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do meu próprio coração.

Moreno, era a forma das pedras e das luas.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
o mistério das palavras maduras
ou a brancura de um amor que nos prendia.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até ouvir
o meu sangue jorrar na voz das fontes.




Eugénio de Andrade


terça-feira, outubro 16, 2007

PARA TODAS AS MULHERES DO MUNDO





Alma de mulher
de
Alexandre Araújo


Nada mais contraditório do que "ser mulher"...
Mulher que pensa com o coração,
age pela emoção e vence pelo amor.
Que vive milhões de emoções num só dia
e transmite cada uma delas, num único olhar.
Que cobra de si a perfeição
e vive arrumando desculpas
para os erros, daqueles a quem ama.
Que hospeda no ventre outras almas,
dá a luz e depois fica cega,
diante da beleza dos filhos que gerou.
Que dá as asas, ensina a voar
mas não quer ver partir os pássaros,
mesmo sabendo que eles
não lhe pertencem.
Que se enfeita toda e perfuma o leito,
ainda que seu amor nem perceba mais tais detalhes.
Que como uma feiticeira transforma em luz e sorriso
as dores que sente na alma,
só para ninguém notar.
E ainda tem que ser forte,
para dar os ombros para quem neles precise chorar.
Feliz do homem que por um dia souber
entender a alma da mulher!

sábado, outubro 13, 2007

TÉDIO


Vontade preguiçosa de apanhar meus nervos
e fazer uma rede para me deitar...
e fechar os meus olhos, como que cansado
de olhar...
e dormir, mas dormir esse sono das pedras
que não podem sonhar...
ser folha, folha morta, caindo
embalada pelo ar...
barco solto, sem leme, sem velas, sem nada
ao sabor inconstante do mar
a boiar...
Vontade preguiçosa de encostar a vida
num canto para descansar...
E soltar-me em mim mesmo num canto
num canto, para descansar...
E soltar-me em mim mesmo, e soltar-me e caír
e deixar-me ficar,
sem ter vontade ao menos para bocejar...
Ah!... Vontade preguiçosa de não terminar
estes versos morrendo em ar... em ar... em ar.



J.G.Araújo Jorge

terça-feira, outubro 09, 2007

FOLHAS DE ROSA


Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol
Eu vou falar com elas em segredo ...
E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente ...
Pelo copinho de cristal e pata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que triste me deslumbra e m'embriaga
O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que refletia outrora tantos risos,
E agora reflete apenas pranto,
E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...
Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mal fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés desfolhaste, aquele dia....





Florbela Espanca

sábado, outubro 06, 2007

MAR


Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo intimamente a tua voz.
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
seres um milagre criado só para mim.

Meio-dia.
Um canto da praia
sem ninguém.


Livre e verde a água ondula.
Graça que não modula, o sonho de ninguém.

Casa branca em frente ao mar
enorme, com o teu jardim de areia
e flores marinhas.
E o teu silêncio intacto
em quem dorme o milagre das coisas
que eram minhas.

Não há fantasmas nem almas,
e o mar imenso, solitário e antigo,
parece bater palmas.

Dia do mar no ar, dia alto.
Onde os meus gestos são gaivotas
que se perdem, rolando sobre as ondas,
sobre as nuvens.

Aqui nesta praia onde não há nenhum
vestígio de impureza,
aqui onde há somente ondas
tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
aqui o tempo apaixonadamente
encontra a própria liberdade.

Há muito que deixei aquela praia
de grandes areais e grandes vagas.
Mas sou eu ainda quem na brisa respira.
E é por mim que espera cintilando
a maré que vasa.

De todos os cantos do mundo,
amo com um amor mais forte e mais profundo,
aquela praia extasiada e nua
onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Mostrai-me as anemonas,
as medusas e os corais do fundo do mar.
Eu nasci há um instante.

A minha pátria é onde o vento passa,
a minha amada é onde os roseirais dão flor,
o meu desejo é o rastro que fica das aves,
e nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

Reino de medusas e água lisa,
reino de silêncio luz e pedra.
Habitação das formas espantosas,
coluna de sal e círculo de luz.
Medida da Balança misteriosa.

Mar, Metade da minha alma
é feita de maresia.

Luz inunda a planície do mar,
mas ninguém cria gestos luminosos.
Sem que ninguém forme gestos na sua luz.

As ondas quebravam uma à uma.
Eu estava só com a areia
e com a espuma do mar
que cantava só p’ra mim.




Sophia de M. Breynner

domingo, setembro 30, 2007

LEVA-ME NAS ASAS DA DANÇA...


(p.f. desligue primeiro o som do blog)

quinta-feira, setembro 27, 2007

PARA TI MINHA MÃE - OBRIGADO



No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesano meio de um laranjal...
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
Boa noite. Eu vou com as aves.



Eugénio de Andrade

domingo, setembro 23, 2007

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Saber esperar é uma grande virtude...

SOL NULO DOS DIAS VÃOS

Sol nulo dos dias vãos
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!
Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!
Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
Fernando Pessoa


quarta-feira, setembro 19, 2007

POESIA

De amor nada mais me resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto;
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

in, «Poesia Completa», D. Quixote, Lisboa, 1999

Natália Correia

terça-feira, agosto 14, 2007

QUANDO ME AMEI DE VERDADE

Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato.
E então, pude relaxar.
Hoje sei que isso tem nome…Auto-estima.
Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia, meu sofrimento emocional, não passa de um sinal de que estou indo contra minhas verdades.
Hoje sei que isso é…Autenticidade.
Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento.
Hoje chamo isso de… Amadurecimento.
Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar alguma situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu mesmo.
Hoje sei que o nome disso é… Respeito.
Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável… Pessoas, tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início minha razão chamou essa atitude de egoísmo.
Hoje sei que se chama… Amor-próprio.
Quando me amei de verdade, deixei de temer o meu tempo livre e desisti de fazer grandes planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro.
Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo.
Hoje sei que isso é… Simplicidade.
Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter razão e, com isso, errei muitas menos vezes.
Hoje descobri a… Humildade.
Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de preocupar com o futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece.
Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é…Plenitude.
Quando me amei de verdade, percebi que minha mente pode me atormentar e me decepcionar. Mas quando a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e valiosa aliada.
Tudo isso é… Saber viver!!!

Quando você se amar de verdade, de certo, abrirá mão de “querer” sempre ter a razão. O amor é troca é aceitação. Desejo que sua vida seja um constante aprendizado.

Charles Chaplin

quinta-feira, agosto 09, 2007

No castelo ponho o cotovelo
Em Alfama descanço o olhar
E assim desfaço o novelo
De azul e mar

À Ribeira encosto a cabeça
A almofada da cama do Tejo
Com lençois bordados à pressa
Na cambraia de um beijo.

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem, tão pura
Teus seios sãos as colinas, varina
Pregão que me traz à porta ternura

Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça e amada
Cidade amor da minha vida

No Terreiro eu passo por ti
Mas na Graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha sorri
És mulher da rua.

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que sei inventar
A aguardente de vinho e medronho
Que me faz cantar.

Lisboa do amor deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça e amada
Cidade mulher da minha vida


Canta Carlos do Carmo






quinta-feira, agosto 02, 2007

POESIA MATEMÁTICA

Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?"indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.


Millôr Fernandes

quinta-feira, julho 26, 2007

POQUE HÁ PALAVRAS QUE NOS MARCAM


(Clicar sobre a imagem)

segunda-feira, julho 23, 2007

IDÍLIO



Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,

Colher nos vales lírios e boninas,

E galgamos dum fôlego as colinas

Dos rocios da noite inda orvalhadas;


Ou, vendo o mar das ermas cumeadas

Contemplamos as nuvens vespertinas,

Que parecem fantásticas ruínas

Ao longo, no horizonte, amontoadas:


Quantas vezes, de súbito, emudeces!

Não sei que luz no teu olhar flutua;

Sinto tremer-te a mão e empalideces


O vento e o mar murmuram orações,

E a poesia das coisas se insinua

Lenta e amorosa em nossos corações.





Antero de Quental

domingo, julho 22, 2007

SUAVIDADE

Poisa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal,
Sobre o regaço brando e maternal
Da tus doce Irmã compadecida.

Hás-de contar-me nessa voz tão querida
A dor que julgas sem igual,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.

E hás-de adormecer nos meus joelhos...
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão-de fazer-se leves e suaves...

Hão poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente,
Sobre o teu rosto, como penas de aves...
Florbela Espanca

sexta-feira, julho 20, 2007

ALMA MINHA

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueça daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encortou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te
quão cedo de meus olhos te levou.


Luís de Camões

quarta-feira, julho 18, 2007

SÚPLICA

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.


Miguel Torga

sábado, julho 14, 2007

MOMENTOS NA VIDA






Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos sonhos e abraçá-la. Sonhe com aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que se quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas, elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram, para aqueles que se machucam, para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas. O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido. Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado. A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre.



Clarice Lispector

quarta-feira, julho 11, 2007

SONHOS

Todos os sonhos têm o seu preço...

quarta-feira, julho 04, 2007

O ESPLENDOR DE UMA ROSA

Tão simples tudo!
Amor, que de rosas se inflora...

A Ceia dos Cardeais - Júlio Dantas

segunda-feira, julho 02, 2007

UMA LONGA ESPERA


Naquele banco sentávamo-nos os três: tu, eu e o amor. Ali era o nosso paraíso.
Depois, depois tu partiste. Fiquei eu e o amor. Sonhei, sonhei com o teu regresso. A esperança sorria nos meus olhos. O meu coração, em cada batida dizia o teu nome. Depois o amor deixou-me e eu fiquei só. Meus cabelos embranqueceram nessa longa espera e, no meu lugar ficou um punhado de folhas secas. De vez em quando volto para lhes oferecer as minhas lágrimas e, ingenuamente, pensar que estou mais perto de ti.

quinta-feira, junho 07, 2007

LÁGRIMAS OCULTAS




Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Tomo a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!




Florbela Espanca

segunda-feira, junho 04, 2007

VINTE ANOS DEPOIS


Vinte Anos Depois

Maria José Aranha de Rezende


Depois de tanto tempo decorrido,
Eis que te encontro novamente agora,
Face a face... alquebrado, envelhecido,
Tão diferente do que foste outrora!

Percebo, nos teus olhos contristados,
Que em mim também notaste alguma mudança.
É natural, vinte anos são passados,
E o tempo, no seu giro, não descansa!

Tão diferente já do que fomos! E em vão
Tentamos recompor os traços do passado.
Buscas em meu olhar um antigo clarão
E só vês um cristal sereno, desmaiado...

E em nossos olhos vê-se agora, refletida,
Como num claro espelho, a imagem do presente,
A dura realidade, a amarga lei da Vida,
E então, sem resistir, choramos tristemente,

Lágrimas não por mim nem por ti, na verdade,
Nem mesmo pelo amor que agora pouco importa!
Se choramos assim, choramos de saudade
Da nossa própria mocidade morta!

domingo, maio 20, 2007

APELO

Porque não vens agora, que te quero
E adias esta urgência?
Prometes-me o futuro e eu desespero
O futuro é o disfarce da impotência....



Hoje, aqui, já, neste momento,
Ou nunca mais.
A sombra do alento é o desalento
O desejo o limite dos mortais.




Poema de Miguel Torga

domingo, abril 29, 2007

MINHA ALDEIA


Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.
Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
Âgulo novo, nova ideia;
outros graus, outras tazões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.
Os homens da minha aldeia
divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desampara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.
Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
cada qual é seu irmão.
Valências de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergam,
todos os homens convergem
no centro d aminha aldeia.
António Gedeão

quarta-feira, abril 25, 2007

POESIA


Não te amo mais.

Estarei mentindo dizendo que

Ainda te quero como sempre quis.

Tenho certeza que

Nada foi em vão.

Sinto dentro de mim que

Você não significa nada.

Não poderia dizer jamais que

Alimento um grande amor.

Sinto cada vez mais que

Já te esqueci!

E jamais usarei a frase

EU TE AMO!

Sinto, mas tenho que dizer a verdade

É tarde demais...

AutorClarice Lispector

P.S: Agora leia de baixo para cima.

segunda-feira, abril 23, 2007

ALGUÉM


Para alguém sou o lírio entre os abrolhos
e tenho as formas ideais do Cristo;
para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
e, se na terra existe, é porque existo.

Esse alguém, que prefere ao namorado
cantar das aves minha rude voz,
não és tu, anjo meu idolatrado,
nem, meus amigos, é nenhum de vós!

Quando alta noite me reclino e deito
melancólico, triste e fatigado,
esse alguém abre as asas no meu leito,
e o meu sono desliza perfumado.

Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
por mim além dos mares! Esse alguém
é de meus olhos a esplendente aurora;
és tu, doce velhinha, ó minha mãe!

- Gonçalves Crespo -








quinta-feira, abril 19, 2007

SE RECORDO





Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.








Fernando Pessoa (Ricardo Reis) - 26/05/1930

O AMOR, QUANDO SE REVELA...





O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Fernando Pessoa

sábado, abril 14, 2007

LENDA


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, ainda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra a hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.



Fernando Pessoa

sexta-feira, abril 13, 2007

ORAÇÃO DA MAÇANETA

Não há mais bela música
que o ruido da maçaneta da porta
quando meu filho volta para casa.

Volta da rua, da vasta noite,
da madrugada de estranhas vozes,
e o ruido da maçaneta
e o gemer do trinco,
o bater da porta que novamente se fecha,
o tilintar inconfundível do molho de chaves
são um doce acalanto,
uma suave cantiga de ninar.

Só assim fecho os olhos,
posso afinal dormir e descansar.

Oh! a longa espera,
a negra ausência,as histórias de acidentes e assaltos
que só a noite como ninguém sabe contar!

Oh! os presságios e os pesadelos,
o eco dos passos nas calçadas,
a voz dos bêbados na rua
e o longo apito do guarda
medindo a madrugada,
e os cães uivando na distância
e o grito lancinante da ambulância!

E o coração descompassado a pressentir
e a martelar
na arritmia do relógio do meu quarto
esquadrinhando a noite e seus mistérios

Nisso, na sala que se cala, estala
a gargalhada jovem
da maçaneta que canta
a festiva cantiga do retorno.
E sua voz engole a noite imensa
com todos os ruídos secundários.
-Oh! os címbalos do trinco
e os clarins da porta que se escancara
e os guizos das muitas chaves que se abraçam
e o festival dos passos que ganham a escada!
Nem as vozes da orquestra
e o tilintar de copos
e a mansa canção da chuva no telhado
podem sequer se comparar
ao som da maçaneta que sorri
quando meu filho volta.

Que ele retorne sempre são e salvo,
marinheiro depois da tempestade
a sorrir e a cantar.
E que na porta a maçaneta cante
a festiva canção do seu retorno
que soa para mim
como suave cantiga de ninar.

Só assim, só assim meu coração se aquieta,
posso afinal dormir e descansar.


Gióia Júnior

quinta-feira, abril 12, 2007

POESIA



'Por muito tempo achei
que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço
e invento exclamações alegres,
porque a ausência,
essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim'.


(Carlos Drummond de Andrade)

RETRATO


Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Cecília de Meireles

segunda-feira, abril 09, 2007

PACIÊNCIA...






Isto é uma ternura...

domingo, abril 08, 2007

URGENTEMENTE





Urgentemente
É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavra
sódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.



Eugénio de Andrade

sábado, abril 07, 2007

IMPROVISO DO AMOR- PERFEITO


Naquela nuvem, naquela,
mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.
Os sonhos foram sonhados, e o
padecimento aceito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Imensos jardins da insônia,
de um olhar de despedida
deram flor por toda a vida.
Ai de mim que sobrevivo
sem o coração no peito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Longe, longe,
atrás do oceano que nos meus se alteia
entre pálpebras de areia...
Longe, longe... Deus te guarde
sobre o seu lado direito,
como eu te guardava do outro,
noite e dia, Amor-Perfeito.



Cecília Meireles

SER CRIANÇA




Queria ter um dia
só pra comer porcaria:Sorvete, chocolate e bombom.
Contar os dias de alegria e fantasia.
Querendo por querer.
Não é uma maravilha ?Jogar videogame, jogar bola,
E depois ir à escola.
Queria ser criança a vida inteira,
E nunca acabar a brincadeira.
Mas ser criança não é tão bom assim,
Todo mundo manda em mim !
Sei que devo aproveitar,
Sou criança, quero brincar!

DEBORAH GOULART VISNADI (11 anos)

sexta-feira, abril 06, 2007

POESIA


Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.


Amo-te enfim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.



(Vinícius de Moraes)