quinta-feira, junho 07, 2007

LÁGRIMAS OCULTAS




Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Tomo a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!




Florbela Espanca

segunda-feira, junho 04, 2007

VINTE ANOS DEPOIS


Vinte Anos Depois

Maria José Aranha de Rezende


Depois de tanto tempo decorrido,
Eis que te encontro novamente agora,
Face a face... alquebrado, envelhecido,
Tão diferente do que foste outrora!

Percebo, nos teus olhos contristados,
Que em mim também notaste alguma mudança.
É natural, vinte anos são passados,
E o tempo, no seu giro, não descansa!

Tão diferente já do que fomos! E em vão
Tentamos recompor os traços do passado.
Buscas em meu olhar um antigo clarão
E só vês um cristal sereno, desmaiado...

E em nossos olhos vê-se agora, refletida,
Como num claro espelho, a imagem do presente,
A dura realidade, a amarga lei da Vida,
E então, sem resistir, choramos tristemente,

Lágrimas não por mim nem por ti, na verdade,
Nem mesmo pelo amor que agora pouco importa!
Se choramos assim, choramos de saudade
Da nossa própria mocidade morta!