terça-feira, dezembro 21, 2010

RESUMO

" Se sou alegre ou sou triste?...

Francamente, não o sei.

A tristeza em que consiste?

Da alegria o que farei?

Não sou alegre nem triste.

Verdade, não sou o que sou.

Sou qualquer alma que existe

E sente o que Deus fadou.



Afinal, alegre ou triste?

Pensar nunca tem bom fim...

Minha tristeza consiste

Em não saber bem de mim...

Mas a alegria é assim... "





- Fernando Pessoa -

domingo, dezembro 19, 2010

NATAL DE QUEM?


Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do peru, das rabanadas.
-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
-- Está bem, eu sei!
-- E as garrafas de vinho?
-- Já vão a caminho!
-- Oh mãe, estou p’ra ver
Que prendas vou ter.
-- Que prendas terei?
-- Não sei, não sei...

Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:
-- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
-- Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!

Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papéis
Sem regras nem leis.

E Cristo Menino
A fazer beicinho:-- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?

O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem-estar no coração.
A noite vai terminar

E o Menino, quase a chorar:-- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive tecto nem afecto!

Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
Foi este o Natal de Jesus?!!!

João Coelho dos Santos
(in Lágrima do Mar – 1996)

sexta-feira, novembro 26, 2010

GATO

Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pêlo, frio no olhar!
De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?



Alexandre O'Neill

quarta-feira, novembro 24, 2010

DA MAIS ALTA JANELA DA MINHA CASA


Da mais alta janela da minha casa

Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário

Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá?

Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.




Alberto Caeiro

sexta-feira, outubro 08, 2010

SOMBRA

"Eu não me lembro de mim,
Não me lembro de ninguém.
– Sou a lembrança de mim?
Sou a lembrança de alguém?
Sou uma sombra delida~
Vivendo um sonho de vida?
Eu, afinal, o que sou?
Qual o caminho em que vou?
Meus passos onde vão dar?
Vou devagar? Vou depressa?
Vou depressa ou devagar?
– Nada, afinal, me interessa:
Eu sei apenas que sou
O nada inútil que sou;
E apenas tenho o poder
De poder continuar,
Sem poder compreender
E sem saber duvidar.

E a vida?
É sonâmbula esquecida?
É morte transfigurada?
A vida, afinal, é vida,
Ou a vida não é nada?
E tudo, tudo o que vejo,
Desde o mar ao céu sem fim,
Serão formas do DesejoQue vive dentro de mim?
Serão formas enganosas
– Sombra, e luz, e céu, e mar?
Aparências mentirosas?
Ilusões do meu olhar?

E eu afinal o que sou?
Qual o caminho em que vou?
Sou noite? Sou alvorada?
Vou ascender ou cair?
– Eu, afinal, não sei nada…
Eu sei apenas sorrir…

Eu próprio me desconheço.
E, nesta hora em que vou,
Desconhecendo, aborreço
O nada inútil que sou.

Já, num desvairo profundo,
A chorar, me procurei
Pelos caminhos do mundo!
Mas, sem poder encontrar
Em mim, a minha verdade,
Nunca amei nem desejei
Perder-me em sonhos, e amar…
– Assim nasceu a saudade.

E assim eu vivo, a cismar,
Perdido em mágoas sem fim;
E vendo, nos céus, a brilhar
Os astros, fico a chorar,
Tive, nos olhos, dois céus
De luz divina e sagrada,
E fui a sombra animada
Da luz eterna de Deus.
Em sonho, fui luz de aurora
No esplendor da Eternidade!
Mas, hoje, a minha alma chora
No desterro da saudade…

E eu, afinal, o que sou?
Qual o caminho em que vou?

Sou noite? Sou alvorada?
Vou ascender ou cair?

Eu, afinal, não sei nada,
Eu sei apenas sorrir…"


Guilherme de Faria (1924).

quarta-feira, setembro 15, 2010

FRASES


domingo, maio 09, 2010

É PRECISO ACREDITAR


Eu preciso te falar
Te encontrar de qualquer jeito
Prá sentar e conversar
Depois andar
De encontro ao vento...

Eu preciso respirar
O mesmo ar que te rodeia
E na pele quero ter
O mesmo sol que te bronzeia...

Eu preciso te tocar
E outra vez te ver sorrindo
E voltar num sonho lindo...

Já não dá mais prá viver
Um sentimento sem sentido
Eu preciso descobrir
A emoção de estar contigo...

Ver o sol amanhecer
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo...

Faz de conta que ainda é cedo
Tudo vai ficar
Por conta da emoção
Faz de conta que ainda é cedo
E deixar falar
A voz do coração...
Luiz Goes

sexta-feira, abril 09, 2010

ESCREVO


Escrevo já com a noite
em casa. Escrevo
sobre a manhã em que escutava
o rumor da cal ou do lume,
e eras tu somente
a dizer o meu nome.
Escrevo para levar à boca
o sabor da primeira
boca que beijei a tremer.
Escrevo para subir
à s fontes.
E voltar a nascer.


Eugénio de Andrade

segunda-feira, março 01, 2010

HOMENAGEM A ROSA LOBATO DE FARIA


Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.
Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir as Cármina Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga de mendiga.
Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo
.Mas tudo o que é excessivo é muito pouco
.Por isso fiquei só, com o meu corpo.




Rosa Lobato Faria

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Posso ter defeitos,
viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...


(Fernando Pessoa)

terça-feira, janeiro 12, 2010

CIRCO



No circo cheio de luz
Há tanto que ver!...

«Senhores!»
— Grita o palhaço da entrada,
Todo listrado de cores —
«Entrai, que não custa nada!»
«À saída é que se paga»

(E eu sou aquele palhaço
Com listras!, e estardalhaço,
Chamando público...)

Na arena,
Está toda a companhia.
E o público contracena
Com a arena,
Como a arena com o público,
Agonias de alegria...

Uma bailarina dança.
A bailarina que dança
Já correu França e Aragança
Dançando do mesmo modo
Com todo o seu corpo todo.

Mas sempre, de cada vez,
Seu pés,
Seus voláteis pés,
Tiveram diverso modo
De raptar da mesma forma
Seu corpo todo!

Os seus movimentos de hoje
São, talvez, iguais aos de ontem,
Aos olhos de quem não vê
Que o gesto feito uma vez
Já se não faz como fez.

Ai!, a vida!
E eu que ouvi que a vida é um dia!
Mas acaba e principia
A cada instante do dia...

(E eu também sou bailarino:
Também danço!;
Também não tenho descanso;
Também cá vivo fingindo
Que só vivo repetindo,
Muito embora
Saiba como a toda a hora
Vario e crio,
Ruo e fluo,
Como um rio...)

Na plateia, um homem bêbado
Tem olhos vítreos do vinho.
Seus olhos vítreos
Pegaram-se às pernas ágeis
Da bailarina.
Seu olhar que foi subindo
A foi despindo...
E ali a cara de todos
Aquele bêbado a goza,
Gemendo, arquejando, rindo...

... De tal modo,
Que, súbito, o circo todo
é um grande leito em festa, a receber
O espasmo daquele homem
Que possui essa mulher.

Que mentira e que verdade
Que é a vida!

(E eu sou, também, esse bêbado
Que a força de desejar
Transformou em realidade
O seu desejo.
Na verdade...,
Sim, na verdade, não vejo
Porque me não enganar...)

O acrobata, que belo,
Cinturado de amarelo!
Que belo
Ser acrobata!
Seu corpo é de oiro e de prata,
Com fogo e gelo a correr...
Pendurado do trapézio,
Crucificado no ar,
Causa angústia e faz prazer
Ver esse corpo bailar,
Voar
Entre a vida e a morte...

E é belo ser assim forte,
Ficando assim delicado.

Ora esse alado elegante
Que sorri com tal desplante
Tem, no entanto,
Há já tanto!,
Uma loucura com ele
Que o impele:
Quer subir
Até onde puder ir;
Além do que puder ir;
Mais e mais!
Seus belos saltos mortais
Desenham cada vez mais
Voos cada vez mais trágicos.
Até que ele há-de chegar
À tristíssima vitória
De não ter mais que avançar.

Então...,
Ele há-de, ainda, sorrir.
Ora verão!
E há-de deixar-se cair.

E há-de deixar-se cair,
Do sétimo céu ao chão.

Ai!, a vida!
Poema da Tentação...

(E eu sou aquele acrobata:
Não subi nem me exibi;
Não me tapei de amarelo,
Nem meu corpo é de oiro e prata,
Nem eu sou belo...
Tenho dó de não ser belo!
Mas sou aquele acrobata.)

Ri, palhaço!

O palhaço entrou em cena,
Ri, cabriola, rebola,
Pega fogo à multidão.

Ri, palhaço!

Corpo de borracha e aço,
Rebola como uma bola,
Tem dentro não sei que mola
Que pincha, emperra, uiva, guincha,
Zune, faz rir!

Ri, palhaço!

Ri..., ri de ti para os outros,
Ri dos outros para ti,
Ri de ti para ti... ri!,
Ri dos outros para os outros...,
Ri, arre!, ri, irra!, ri!

Não!, que não!, que eu não lamente
Quem então, mesmo que o tente,
Não deixa de se exprimir
Tão brutalmente.

Palhaço, ri!

Eu não sei ter dó de ti:
Por miserável que seja,
Não se tem dó do que é belo.

(... Porque,
Será preciso dizê-lo?,
Também sou esse palhaço
Feito de borracha
E aço...)

Ai!, a vida!
Que trambolhões na subida,
Que ascenções pela descida...!

Entre os mil espectadores,
Encolhido,
Pequenino,
— Meu menino, ino, ino... —
Sim, fixo aquele menino.

Seus olhos, duas estrelas,
Acesinhos como velas
E maiores
Que os dos mais espectadores,
São de Menino Jesus
Que dá lição aos doutores.

Esses olhos fazem luz
Sobre todo o circo... São
Duas varas de condão.

Eis como, a luz que eles dão,
Tudo, em redor, se enriquece
De outra significação:

Que linda história de fadas
Se não vai desenrolando!,
Com princesas encantadas
Desencantadas,
E jovens reis escalando
Que muralhas invencíveis
Ao ritmo de árias terríveis,
Enquanto um príncipe excêntrico
Engole espadas e chamas,
Vem divertir o seu povo,
Trava prélios
Com dragões,
Gigantes,
Bruxas,
Anões,
—Criações
Dum mundo novo...

Ai!, a vida!
Maravilhosa historieta!

(E eu sou aquele menino:
Sou poeta...)

Mas em frente,
Do outro lado da arena,
Certa cara mascarada
Foca a cena:
Mascarada de silêncio,
De serenidade e enigma.

Bailados e acrobacias,
Amazonas e corcéis,
Músicas, luzes, e cores,
— Não me parecem que existam
Naqueles ouvidos surdos
E naqueles olhos foscos
De lágrimas,
Sangue,
Suores...

Quem é que ali sabe a história
Destes olhos esvaziados.
Dessa testa de sepulcro,
Daqueles lábios selados?

Poque está ali essa máscara,
Sozinha na multidão,
Fechada no seu caixão
De solidão e silêncio?...

E ai, minha mãe e meu pai!,
Todos que me quereis... ai
Que eu sou também, afinal,
Todo esse frio mortal...!

... Porque eu sou tudo!, — afinal.

E, mais do que bailarino,
Clown, acrobata, menino,
Bêbado ou esfinge, sou
A terra,
O chão que eles pisam,
E o pó que sobe e os envolve...
Moro lá em baixo, enterrado,
Muito lá em baixo!, e calado.
Pairo por cima ondulando,
Ando
No ar
Espalhado...

Ai!, a vida!

Que a vida não tem limites,
E quem vive não tem paz,
Menino, por mais que sonhes!,
Por mais que desejes, bêbado!,
Palhaço, por mais que grites!,
Por ais que vás, acrobata!,
Por mais que vás...!

Ai!, a vida!

... Assi, me surge tão bela,
Tão digna de ser vivida,
Sorvida
Até se esgotar,
Que eu sei que é faminto dela
Que me hei-de matar.

José Régio

sexta-feira, janeiro 01, 2010

SE EU MORRER NOVO


Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força.
Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.


De: Alberto Caeiro