sábado, agosto 20, 2005

PARA VIVER UM GRANDE AMOR

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... - não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é presiso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como fôr. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e a sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas na florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor a êsmo;depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, môlhos,strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?.

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um grande amor.

segunda-feira, agosto 15, 2005

O PARTO SEM DOR


Pedro Monjardino, Cesina Bermudes e Seabra Dinis esforçados pioneiros do "parto preparado" em Portugal

CESINA BERMUDES

Dra. Cesina Bermudes. Tive o prazer e o privilégio de conhecer esta grande mulher. Pequenina de estatura mas com um coração sem fronteiras. Foi ela que me acompanhou no decurso da minha gravidez e foi ela quem assistiu ao parto.

Ainda me recordo da frase que ela dizia sempre que lhe aparecia uma mulher grávida: Gravidez não é doença! Depois, com a maior alegria, dava-nos conselhos e vivia cada situação como se as crianças fossem dela. Na realidade, todos ficaram na história como "os bébés Cesina",

Costumava fazer uma reunião de grávidas em casa dela para nos mostrar com fotos e desenhos como o nosso organismo é e como funciona.

Quando surgia algum parto mais difícil e demorado não saía do lado das grávidas chegando a dormir no chão ou em alguma cama desocupada na ocasião. Quando nos medicava, para começarmos logo a tomar o medicamento "emprestava-nos" uns tantos comprimidos que depois lhe devolviamos. Tudo o que sobrasse era-lhe entregue e destinava-se às menos favorecidas de quem ela cuidava com toda o carinho. Era uma mulher extraordinária, com uma energia exuberante. Fez todos os desportos, todas as viagens. Mas a principal aventura foi a introdução em Portugal do parto sem dor.

Nasceu a 20 de Maio de 1908, em Lisboa na freguesia dos Anjos e lembrava-se dos tempos da I Grande Guerra, "da falta de géneros e das bichas que havia às portas das mercearias e de todos os sítios que vendiam géneros alimentícios".

Cesina Bermudes acreditava na reencarnação. "Das minhas anteriores reencarnações não me lembro de nada. Mas nós temos tanta coisa que fazer neste mundo que não há possibilidade de o conseguir numa única vida. É muito mais inteligente que tenhamos vidas sucessivas para ir aprendendo a evolução, porque não há só a evolução física que o Darwin pôs em evidência. Há também uma evolução psíquica, dos sentimentos, dos pensamentos, das intuições, das criações. Como é possível chegar a criar uma sinfonia, a criar a ideia de uma catedral se as pessoas não tiverem já vindo cá várias vezes a este mundo para se treinarem na ideia da arte ou de qualquer outra coisa? Como é possível ser um místico, como um S.João da Cruz, ou um S. Francisco de Assis, se as pessoas não tiverem vindo aprender a ideia da fraternidade?"

Em 1954 vai a Paris estudar as técnicas do parto sem dor. Segundo ela era" absolutamente inconcebível que um acto perfeitamente fisiológico e natural fosse doloroso na mulher e fosse natural nas outras fêmeas mamíferas. É uma questão psicológica, mas para chegar a esta conclusão foram precisos uma quantidade de sábios. Só ao fim de muitos e muitos anos de medicina é que foi possível descobrir a importância do psicossomático no comportamento humano.".

Quando lhe perguntaram em que ser gostaria de reincarnar na próxima geração, respondeu:
"Se calhar voltava a ser médica. Em todo o caso será uma profissão liberal, porque é aquela onde se pode fazer o que se entende dever fazer. Precisava de uma reencarnação para me formar musicalmente. Nesta reencarnação desenvolvi, principalmente a capacidade de investigação científica. Sob o ponto de vista literário e desportivo também foi útil. Agora do ponto de vista musical não serviu para nada.".

Muito havia para dizer acerca desta mulher franzina, com passo apressado e o penteado de sempre: uma trança a emoldurar-lhe o rosto miúdo e o olhar vivíssimo.

Esta é a homenagem singela duma mulher que jamais a esquecerá.

Soube hoje que Cesina Bermudes partiu há quatro anos. Mas Cesina Bermudes continua entre nós. Bem-haja!

Leonor Costa

domingo, agosto 07, 2005

VAI AONDE TE LEVA O CORAÇÃO


"Antes de mais, importa dizer que estamos perante um romance já célebre e celebrado pelos múltiplos êxitos, desde o facto de se ter convertido no livro mais vendido em Itália nas últimas décadas até às numerosas traduções no mundo inteiro.

Livro-sensação, livro de descoberta ou de redescoberta e por isso mesmo livro não alheio à diversidade de reacções.

Através de um registo em que três gerações de mulheres dialogam, numa voz que reconta as suas vidas, Susanna Tamaro serve-se dessa estrutura narrativa para confrontar os diferentes tempos vividos e reavaliar este ciclo geracional. A leitura deste livro é enleante, quase hipnótica, comovente, o que justifica talvez o seu imenso sucesso internacional. De resto, a circulação do livro a esta escala surpreendente deve-se a um fenómeno de passagem de testemunho de leitor para leitor traduzido numa verdadeira consagração pública do romance de Susanna Tamaro que o tem mantido ininterruptamente no topo das preferências de leitura."
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Não encontrei melhor maneira de passar o meu testemunho do que citar algumas passagens deste livro que considero maravilhoso:

" A ideia do destino é algo que surge com a idade. Quando se tem os anos que tu tens, geralmente não se pensa muito nisso, tudo o que aontece é como se fosse fruto da nossa vontade. Sentimo-nos como um operário que, pedra sobre pedra, vai construindo à sua frente o caminho que deverá percorrer. Só muito depois é que se repara que o caminho já está construído, que alguém o traçou para nós, e que só nos resta seguir em frente. É uma descoberta que costuma fazer-se por volta dos quarenta anos, então começa-se a perceber que as coisas não dependem só de nós. É um momento perigoso, durante o qual não é raro escorregar-se para um fatalismo claustrofóbico. Para veres o destino em toda a sua realidade, tens de deixar passar mais alguns anos. Por volta dos sessenta, quando o caminho atrás de ti é mais comprido do que o que tens à tua frente, vês uma coisa que nunca tinhas visto antes: o caminho que percorreste não era direito mas cheio de encruzilhadas, a cada passo havia uma seta que apontava para uma direcção diferente; dali partia um atalho, de acolá um carreiro cheio de ervas que se perdia nos bosques. Alguns desse desvios fizeste-os sem te aperceberes, outros nem sequer os viste; tu não sabes se os que não fizeste te levariam a um lugar melhor ou pior; não sabes, mas sentes pena. Podias fazer uma coisa e não fizeste, voltaste para trás em vez de seguir em frente. O jogo da glória, lembras-te? A vida vai avançando mais ou menos da mesma forma.
Ao longo das encruzilhadas do teu caminho encontras outras vidas, conhecê-las ou não, vivê-las a fundo ou desperdiçá-las depende da escolha que fazes num segundo; embora o não saibas, entre seguir a direito ou fazer um desvio joga-se muitas vezes a tua existência, a existência de quem está perto de ti.".


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"Quando te sentires perdida, confusa, pensa nas árvores, lembra-te da forma como crescem. Lembra-te de que uma árvore com muita ramagem e poucas raízes é derrubada à primeira rajada de vento, e de que a linfa custa a correr numa árvore com muitas raízes e pouca ramagem. As raízes e os ramos devem crescer de gual modo, deves estar nas coisas e sobre as coisas, só assim poderás dar sombra e abrigo, só assim, na estação apropriada, poderás cobrir-te de flores e de frutos.
E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar.".

quinta-feira, agosto 04, 2005

A CEIA DOS CARDEAIS


Peça em um acto, em verso, representada pela primeira vez no antigoTeatro de D. Amélia, em 24 de Março de 1902
Foram tantas as vezes que ouvi minha mãe dizer-me esta passagem da Ceia dos Cardeais, que nunca a esqueci.
CARDEAL GONZAGA, ao descrever aos 84 anos, seu amor aos 14 anos:
Quando lhe perguntaram:
"Em que pensa, cardeal?
Cardeal Gonzaga, como quem acorda, os olhos cheios de brilho, a expressão transfigurada
Em como é diferente o amor em Portugal!
Nem a frase subtil, nem o duelo sangrento...
É o amor coração, é o amor sentimento.
Uma lágrima... Um beijo... Uns sinos a tocar...
Um parzinho que ajoelha e que se vai casar.
Tão simples tudo! Amor, que de rosas se inflora:
Em sendo triste canta, em sendo alegre chora!
O amor simplicidade, o amor delicadeza...
Ai, como sabe amar a gente portuguesa!
Tecer de sol um beijo e, desde tenra idade,
Ir nesse beijo unindo o amor com a amizade,
Numa ternura casta e numa estima sã,
Sem saber distiguir entre a noiva e a irmã...
Fazer vibrar o amor em cordas misteriosas,
Como se em comunhão se entendessem as rosas,
Como se todo o amor fosse um amor somente...
Ai, como é diferente! Ai, como é diferente!
Pode-se lá viver sem ter amado alguém!
Sem sentir dentro d'alma - ah, podê-la sentir -
Uma saudade em flor, a chorar e a rir!
Se amei! Se amei! - Eu tinha uns quinze anos, apenas.
Ela, treze. Um amor de crianças pequenas,
Pombas brancas revoando ao abrir da manhã...
Era minha priminha. Era quase uma irmã.
Bonita não seria... Ah, não... Talvez não fosse.
Mas que profundo olhar e que expressão tão doce!
Chamava-lhe eu, a rir, a minha mulherzinha...
Nós brincávamos tanto! Eu sentia-a tão minha!
Toda a gente dizia em pleno povoado:
"Não há noiva melhor para o senhor morgado,
Nem em capela antiga há santa mais santinha..."
E eu rezava baixinho: "É minha! É minha! É minha!"
Quanta vez, quanta vez, cansados de brincar,
Ficávamos a olhar um para o outro, a olhar,
Todos cheios de sol, ofegantes ainda...
Era feia, talvez, mas Deus achou-a linda...
E, numa noite, a minha alma, a minha luz morreu!
Deus, se ma quis tirar, p'ra que foi que ma deu?
Para quê? Para quê?
Ah! Pois Deus não via que eu tinha coração!
Não via! Ah, não via! Não via!
Julgou que de um amor outro amor refloria,,
E matou-me... E matou-me!
Afinal,
Foi esse anjo, ao morrer, que me fez cardeal!
E eu hoje sirvo a Deus - a Deus, que ma levou...
Cardeal Rufo, o De Montmorency, limpando uma lágrima furtiva, enquanto as onze horas soavam no Vaticano:
Foi ele, de nós os três, o único que amou.