sexta-feira, outubro 08, 2010

SOMBRA

"Eu não me lembro de mim,
Não me lembro de ninguém.
– Sou a lembrança de mim?
Sou a lembrança de alguém?
Sou uma sombra delida~
Vivendo um sonho de vida?
Eu, afinal, o que sou?
Qual o caminho em que vou?
Meus passos onde vão dar?
Vou devagar? Vou depressa?
Vou depressa ou devagar?
– Nada, afinal, me interessa:
Eu sei apenas que sou
O nada inútil que sou;
E apenas tenho o poder
De poder continuar,
Sem poder compreender
E sem saber duvidar.

E a vida?
É sonâmbula esquecida?
É morte transfigurada?
A vida, afinal, é vida,
Ou a vida não é nada?
E tudo, tudo o que vejo,
Desde o mar ao céu sem fim,
Serão formas do DesejoQue vive dentro de mim?
Serão formas enganosas
– Sombra, e luz, e céu, e mar?
Aparências mentirosas?
Ilusões do meu olhar?

E eu afinal o que sou?
Qual o caminho em que vou?
Sou noite? Sou alvorada?
Vou ascender ou cair?
– Eu, afinal, não sei nada…
Eu sei apenas sorrir…

Eu próprio me desconheço.
E, nesta hora em que vou,
Desconhecendo, aborreço
O nada inútil que sou.

Já, num desvairo profundo,
A chorar, me procurei
Pelos caminhos do mundo!
Mas, sem poder encontrar
Em mim, a minha verdade,
Nunca amei nem desejei
Perder-me em sonhos, e amar…
– Assim nasceu a saudade.

E assim eu vivo, a cismar,
Perdido em mágoas sem fim;
E vendo, nos céus, a brilhar
Os astros, fico a chorar,
Tive, nos olhos, dois céus
De luz divina e sagrada,
E fui a sombra animada
Da luz eterna de Deus.
Em sonho, fui luz de aurora
No esplendor da Eternidade!
Mas, hoje, a minha alma chora
No desterro da saudade…

E eu, afinal, o que sou?
Qual o caminho em que vou?

Sou noite? Sou alvorada?
Vou ascender ou cair?

Eu, afinal, não sei nada,
Eu sei apenas sorrir…"


Guilherme de Faria (1924).