domingo, março 30, 2008

TEATRO DA BONECA

A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.

A menina gostava loucamente da boneca
A boneca ninguém sabe se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.

Agora já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.
E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.

A boneca enche a casa toda.
É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.

A boneca.
A boneca.



Carlos Queirós

domingo, março 16, 2008

POEMA DA MENINA TONTA




A menina tonta passa metade do dia
a namorar quem passa pela rua,
que a outra metade fica
pr'a namorar-se no espelho.
A menina tonta tem olhos de retrós preto,
cabelos de linha de bordar,
e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.
A menina tonta tem vestidos de seda
e sapatos de seda,
é toda fria, fria como a seda:
as olheiras postiças de crepe amarrotado,
as mãos viúvas entre as flores emurchecidas,
caídas da janela,
desfolham pétalas de papel...
No passeio em frente estão os namorados
com os olhos cansados de esperar
com os braços cansados de acenar
com a boca cansada de pedir...
A menina tonta tem coração sem corda,
a boca sem desejos,
os olhos sem luz...
E os namorados cansados de namorar...
Eles não sabem que a menina tonta tem a cabeça cheia de farelos.
***
Manuel da Fonseca, Poemas Completos


quinta-feira, março 13, 2008

UM SONHO


Sonhei que me mataste e tive pena

Da dor que de fazê-lo sentirias...

Não te rias, meu anjo, não te rias

Nossa alma pode ser de afectos plena,


Olhar a morte impávida e serena

E sucumbir a alheias agonias.

O mais pungente dessa triste cena

Era, acredita, ver que padecias.


Tendo-me morto tu depois choraste...

Ouvi-te ali, sem me poder mover

Sentindo em dor o coração estalar!...


Sonho maldito que o Senhor afaste:

Ter-te junto de mim, ver-te sofrer

E não ter voz para te consolar.




Maria d'Eça Leal

domingo, março 09, 2008

POESIA




Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.


(William Shakespeare)

quinta-feira, março 06, 2008

SE

Se eu pudesse parar a minha vida
E dar eternidade a um só momento
Se eu não tivesse o meu destino preso
Ao destino das cousas nos espaços
Se eu pudesse destruir todas as leis
E dentro do universo que se move
parar meu mundo:
-havia de escolher esse segundo
em que você estivesse nos meus braços!



(desconheço o autor)

sábado, março 01, 2008

O MESMO CAMINHO


Deixa correr, serenas, estas horas...
Não me despertes, não!... quero sonhar!
Horas felizes, horas redentoras,
Quero gozá-las... podem não voltar!


Embala-me! - são horas tentadoras...
Envolve-me na luz do teu olhar,
De pupilas astrais, encantadoras,
E deixa-me a teu lado caminhar!...

Não me abandones! - deixa-me segir
O teu caminho, que eu vejo, a sorrir,
Entre miragens de felicidade!

Seguiremos, com dúlcido carinho...
O teu será também, o meu caminho
Que nos há-de levar à eternidade!


M.Jose Alves Pereira da Silva