sábado, maio 04, 2024

 Primavera


O teu amor, querida,
fez um dia de primavera
neste começo de outono
que é a minha vida.

E do ramo, de onde as primeiras folhas
se soltavam pálidas, sem cor,
surgiu uma flor imprevista:
o teu amor...

Teu amor chegou assim
como uma coisa que no fundo se deseja
mas não se espera,
emocionando o coração, neste começo de outono
como um dia de primavera! 

(J. G. de Araújo Jorge)

sexta-feira, maio 03, 2024

 

QUARTA-FEIRA, 18 DE NOVEMBRO DE 2009

Ruy Belo

E tudo era possível
.
Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
.
Chegava o mês de Maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
.
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
.
Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
.
Ruy Belo

 O Estudante Alsaciano

    Antigamente, a escola era risonha e franca.
    Do velho professor as cans, a barba branca,
    Infundiam respeito, impunham sympathia,
    Modelando as feições do velho, que sorria
    E era como creança em meio das creanças.
    Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
    Corriam para a escola; e nem sequer assomo
    De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
    Quem vae para uma festa. Ao começar o estudo,
    Elles, sem um pesar, abandonavam tudo,
    E submissos, joviaes, nos bancos em fileiras,
    Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
    Attenta, gravemente — uns pequeninos sabios.
    Uma phrase a animar aquelle bando imbelle,
    Ia ensinando a este, ia emendando áquelle,
    De manso, com carinho e paternal amor.

    Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
    Um grave pedagogo, é austero e conciso;
    Nunca os labios lhe abriu a sombra d’um sorriso
    E aos pequenos mudou em calabouço a escola
    Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
    Lá dentro, hoje, o francez é lingua morta e muda:
    Unicamente o allemão ali se falla e estuda,
    São allemães o mestre, os livros e a lição;
    A Alsacia é allemã; o povo é alemão.
    Como na propria patria é triste ser proscripto!
    Frequentava tambem a escola um rapazito
    De severo perfil, energico, expressivo,
    Pallido, magro, o olhar intelligente e vivo
    — Mas de intima tristeza aquelle olhar velado
    Modesto no trajar, de lucto carregado...
    — Pela patria talvez! — Doze annos só teria.
    O mestre, d’uma vez, chamou-o á geographia:

    — "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de lucto?
    Quem te morreu?"
    — "Meu pae, no último reduto,
    Em defeza da patria!"

    — "Ah! sim, bem sei, adeante...
    Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
    Quaes são as principaes nações da Europa? Vá!"

    — "As principaes nações são... a França..."
    — "Hein? que é lá?...
    Com que então, a primeira a França! Bom começo!
    De todas as nações, pateta, que eu conheço,
    Aquella que mais vale, a que domina o mundo,
    Nas grandes concepções e no saber profundo,
    Em riqueza e esplendor, nas lettras e nas artes,
    Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
    A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
    D’onde irradia a sciencia a illuminar a terra,
    A maior, a mais bella, a que das mais desdenha,
    Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Allemanha!"

    Elle sorriu com ar desprezador e altivo,
    A cabeça agitou n’um gesto negativo,
    E tornou com voz firme:

    — "A França é a primeira!"
    O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
    Bate o pé, e uma praga energica lhe escapa.

    — "Sabes onde está a França? Aponta-m’a no mappa!"
    O alumno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
    O rosto afogueado; e emquanto os estudantes
    Olham cheios de assombro aquelle destemido,
    Ante o mestre, nervoso, audaz e commovido,
    Timido feito heróe, pygmeu tornado athleta,
    Desaperta, febril, a sua blusa preta,
    E batendo no peito, impavida, a creança
    Exclama:
    — "É aqui dentro! aqui é que está a França!"

                                                                                   Acácio Antunes

segunda-feira, outubro 02, 2023


 Se fosses luz serias a mais bela

De quantas há no mundo: – a luz do dia!
– Bendito seja o teu sorriso
Que desata a inspiração
Da minha fantasia!
Se fosses flor serias o perfume
Concentrado e divino que perturba
O sentir de quem nasce para amar!
– Se desejo o teu corpo é porque tenho
Dentro de mim
A sede e a vibração de te beijar!
Se fosses água – música da terra,
Serias água pura e sempre calma!
– Mas de tudo que possas ser na vida,
Só quero, meu amor, que sejas alma!


António Botto

Foto de Aleksandr Krivickij

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Á TUA ESPERA



Primeiro são os teus passos pela escada.
A madeira a dizer-me que chegaste.
Depois a porta
 a pouco e pouco aberta.
e o silêncio que só prova que já entraste

Pela luz do teu cigarro eu adivinho
Que caminho tem as roupas pelo chão
E tu pensas que eu ainda estou dormindo
E eu penso que aprendi já a lição
E então, pé ante pé, braço ante braço
Deitas-te a meu lado quase a medo
E atrasas o relógio que há no quarto
Para, se eu acordar, pensar ainda é cedo

E cedo, sinto e sofro a tua mão
Descendo pelo meu corpo devagar
Eu penso que aprendi já a lição
E juro que não vou nunca mais acordar

Pergunto-te a dormir
- que horas são?
Protesto, digo não mas, como sempre
Acabo com os teus lábios no meu peito
E os teus dedos brincando ardendo no meu ventre
E abro-te o meu corpo de mulher
Esqueço a raiva, a mágoa, as amarguras
Cá dentro nasce o sol, já é manhã
E o relógio do quarto ainda bate as duas

Primeiro são os teus passos pela escada...

quarta-feira, julho 17, 2013

O TEU OLHAR

O Teu Olhar


Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde não cabem teus desejos
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

sábado, julho 13, 2013

MENINA GORDA


Esta menina gorda, gorda, gorda,
Tem um pequenino coração sentimental.
Seu rosto é redondo, redondo, redondo;
Toda ela é redonda, redonda, redonda,
E os olhinhos estão lá no fundo a brilhar.

É menina e moça. Terá quinze anos?
Umas velhas amigas da sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
"Como esta menina está gorda, bonita!"
E ela ri de prazer. Seu rosto redondo
Esconde os olhinhos no fundo a brilhar.

[Rui Ribeiro Couto]

sábado, junho 01, 2013

DIA DA CRIANÇA